1x01 - Bem Vindo à Casa dos Loucos


Algumas noites o sono tardava a vir, em outras, ele nem se quer me presenteava com a graça de sua presença. Esta parecia ser uma dessas noites.


Levantei-me da cama numa fútil tentativa de conseguir me distrair. 


Observei de relance a modesta mobília ao meu redor, agora mais uma vez, sombreada pela escuridão da noite – esta cena tinha a grande capacidade de me deixar apreensiva desde criança. 


Mais ao fundo, estavam as duas simples malas pretas de couro, dentro delas, havia tudo o que eu podia denominar MEU. Em algumas horas, elas finalmente dariam o fora daqui.


Caminhei até a pequena mesa no canto do quarto, me deparando com a jarra d’água completamente vazia. “Droga” Lembro-me de ter murmurado para mim mesma. Aquela com toda certeza não poderia ser a minha melhor noite.


 Abri a porta do quarto, o extenso corredor do dormitório sempre me transmitia àquela mesma calmaria. Acredito que trazia certa tranquilidade a quem a sentia, mas depois de sete anos, eu preferia descartá-la.
A cozinha ficava no térreo, próximo ao refeitório, e mesmo tendo total conhecimento sobre a regra número quatro (Respeitar o toque de recolher) e que infringi-la seria algo desgastante, sabendo muito bem que havia médicos e enfermeiros de plantão, resolvi me arriscar. Porque afinal, era só um copo d’água.


Deixando o aposento número 112 totalmente de lado, desci as rústicas escadas de madeira, tentando ser o mais silenciosa possível.
Aos olhos de outra pessoa, eu poderia muito bem estar executando uma improvisada fuga do dito “Inferno”, e isto na certa me traria problemas.


 Mas ao contrário do que imaginei, encontrei o térreo vazio, nenhum funcionário à vista. As duas velhas câmeras de segurança no local pareciam não conseguir flagrar mais ninguém, mesmo se quisessem Francamente, a segurança deste local era a pior.


Continuei adentrando o refeitório, quando ouvi seus perturbados pensamentos, de fato, estava muito cansada. Não era uma surpresa para mim ter conhecimento de quem seria, eu poderia ouvi-la a quilômetros de distância.


 —Não estou tentando fugir, se é isto que você pensa.


 May veio até meu encontro cautelosamente. Os óculos caídos na ponta do nariz deixaram pequenas marcas avermelhadas que foram expostas pelas perninhas da armação, o que tirava um pouco a atenção das grandes olheiras.


 —Creio que já conheça a regra sobre passeios noturnos, não Amélia? —May era uma senhora paciente e atenciosa, demonstrava calmaria com todos ali. Os anos vividos e os cabelos grisalhos na certa teriam muito a ensinar.


—Eu a conheço muito bem May. —Disse. —Mas só quero um pouco d’água.  —May me fitou dos pés a cabeça, pensou por alguns segundos, e convincente de minha resposta, respondeu.
—Vamos até a cozinha.


Caminhamos em silêncio até a geladeira, May não manifestou nenhuma indiferença no percurso inteiro, mas eu sabia que seus olhos estavam colados em mim. Ela encheu um copo com água e o trouxe até mim.


—Amanhã promete ser um grande dia. —May fez uma falha tentativa de puxar assunto.
—Por que diz isto?
—Seu pai virá buscá-la amanhã. Vai ter uma vida normal, conhecer pessoas novas, quem sabe até cursar uma boa faculdade. Viver a vida pra variar. 


A palavra normal rodou na minha cabeça por uns instantes, não sei com que intenção May havia escolhido esta palavra para se expressar, mas aonde quer que eu esteja, a palavra normal não iria me acompanhar.
—Claro! —Exclamei. —Ele vai vir amanhã, como pude me esquecer disto?


—Hm. —May soltou um suspiro. —Sabe Amélia, se fosse você iria descansar. Terá um dia cheio amanhã, e é difícil se readaptar há algo novo.
—Olha quem fala. —Provoquei. —E essas olheiras? Não precisam de um descanso também?


—Precisam sim! Um belo descanso, mas só depois de te dar um apertado abraço de despedida. Vá dormir agora.
—Boa Noite May. —Me despedi voltando às escadas. May não foi atrás de mim para se certificar se eu realmente iria para a direção certa, também não havia necessidade.


Retornei ao gélido aposento 112, onde finalmente encontrei o meu tão esperado sono. Só que ele não veio da maneira que eu esperava.


Era primavera, deveria estar fazendo pelo menos uns 25°. 


Eu havia matado aula. Sabia que era errado e que mamãe não ficaria nada feliz com isto. Mas Clarisse, uma menina grande e forte da quinta série, me ameaçara mais uma vez, e eu não queria correr o risco de apanhar, muito menos pedir ajuda para alguém.


 Em minha mente, já tinha a desculpa todo formulada, iria dizê-la da maneira mais inocente possível. Mas logo na entrada, estranhei o carro fumê do meu pai estacionado, quer dizer, eu o havia visto sair de manhã.


 Entrei em casa, ela aparentava estar completamente vazia, o silêncio era assustador. Subi as escadas até meu quarto, e de lá pude ouvir gemidos estranhos vindos do quarto de casal mais ao fundo.


 Adentrei o espaço lentamente e abri a porta contraindo-a para mim mesmo.
Eu não gostei do que vi.



2 comentários:

  1. O que foi que você viu naquele quarto?

    Gostei da forma detalhada como você escreve, parabéns!

    Vou tentar acompanhar.

    Beijos!

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  2. He he he.
    Quem sabe Amélia acaba falando o que viu mais pra frente?
    Nossa, muito, muito Obrigada mesmo *o*
    Beijos e acompanhe sim! ^-^

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