Algumas noites o sono tardava a vir, em outras, ele
nem se quer me presenteava com a graça de sua presença. Esta parecia ser uma
dessas noites.
Levantei-me da
cama numa fútil tentativa de conseguir me distrair.
Observei de
relance a modesta mobília ao meu redor, agora mais uma vez, sombreada pela
escuridão da noite – esta cena tinha a grande capacidade de me deixar
apreensiva desde criança.
Mais ao fundo,
estavam as duas simples malas pretas de couro, dentro delas, havia tudo o que
eu podia denominar MEU. Em algumas horas, elas finalmente dariam o fora daqui.
Caminhei até a
pequena mesa no canto do quarto, me deparando com a jarra d’água completamente
vazia. “Droga” Lembro-me de ter
murmurado para mim mesma. Aquela com toda certeza não poderia ser a minha
melhor noite.
Abri a porta
do quarto, o extenso corredor do dormitório sempre me transmitia àquela mesma
calmaria. Acredito que trazia certa tranquilidade a quem a sentia, mas depois
de sete anos, eu preferia descartá-la.
A cozinha
ficava no térreo, próximo ao refeitório, e mesmo tendo total conhecimento sobre
a regra número quatro (Respeitar
o toque de recolher) e que infringi-la seria algo desgastante,
sabendo muito bem que havia médicos e enfermeiros de plantão, resolvi me
arriscar. Porque afinal, era só um copo d’água.
Deixando o
aposento número 112 totalmente de
lado, desci as rústicas escadas de madeira, tentando ser o mais silenciosa
possível.
Aos olhos de
outra pessoa, eu poderia muito bem estar executando uma improvisada fuga do
dito “Inferno”, e
isto na certa me traria problemas.
Mas ao contrário do que imaginei, encontrei o
térreo vazio, nenhum funcionário à vista. As duas velhas câmeras de segurança
no local pareciam não conseguir flagrar mais ninguém, mesmo se quisessem – Francamente, a segurança deste local
era a pior.
Continuei
adentrando o refeitório, quando ouvi seus perturbados pensamentos, de fato,
estava muito cansada. Não era uma surpresa para mim ter conhecimento de quem
seria, eu poderia ouvi-la a quilômetros de distância.
—Não estou
tentando fugir, se é isto que você pensa.
May veio até
meu encontro cautelosamente. Os óculos caídos na ponta do nariz deixaram pequenas
marcas avermelhadas que foram expostas pelas perninhas da armação, o que tirava
um pouco a atenção das grandes olheiras.
—Creio que já
conheça a regra sobre passeios noturnos, não Amélia? —May era uma senhora
paciente e atenciosa, demonstrava calmaria com todos ali. Os anos vividos e os
cabelos grisalhos na certa teriam muito a ensinar.
—Eu a conheço
muito bem May. —Disse. —Mas só quero um pouco d’água. —May me fitou dos pés a cabeça, pensou por
alguns segundos, e convincente de minha resposta, respondeu.
—Vamos até a
cozinha.
Caminhamos em
silêncio até a geladeira, May não manifestou nenhuma indiferença no percurso
inteiro, mas eu sabia que seus olhos estavam colados em mim. Ela encheu um copo
com água e o trouxe até mim.
—Amanhã promete
ser um grande dia. —May fez uma falha tentativa de puxar assunto.
—Por que diz
isto?
—Seu pai virá
buscá-la amanhã. Vai ter uma vida normal, conhecer pessoas novas, quem sabe até
cursar uma boa faculdade. Viver a vida pra variar.
A palavra normal
rodou na minha cabeça por uns instantes, não sei com que intenção May havia
escolhido esta palavra para se expressar, mas aonde quer que eu esteja, a
palavra normal não iria me acompanhar.
—Claro!
—Exclamei. —Ele vai vir amanhã, como pude me esquecer disto?
—Hm. —May
soltou um suspiro. —Sabe Amélia, se fosse você iria descansar. Terá um dia
cheio amanhã, e é difícil se readaptar há algo novo.
—Olha quem
fala. —Provoquei. —E essas olheiras? Não precisam de um descanso também?
—Precisam sim!
Um belo descanso, mas só depois de te dar um apertado abraço de despedida. Vá
dormir agora.
—Boa Noite
May. —Me despedi voltando às escadas. May não foi atrás de mim para se
certificar se eu realmente iria para a direção certa, também não havia
necessidade.
Retornei ao
gélido aposento 112, onde finalmente
encontrei o meu tão esperado sono. Só que ele não veio da maneira que eu
esperava.
Era primavera,
deveria estar fazendo pelo menos uns 25°.
Eu havia matado
aula. Sabia que era errado e que mamãe não ficaria nada feliz com isto. Mas
Clarisse, uma menina grande e forte da quinta série, me ameaçara mais uma vez,
e eu não queria correr o risco de apanhar, muito menos pedir ajuda para alguém.
Em minha mente, já
tinha a desculpa todo formulada, iria dizê-la da maneira mais inocente
possível. Mas logo na entrada, estranhei o carro fumê do meu pai estacionado,
quer dizer, eu o havia visto sair de manhã.
Entrei em casa,
ela aparentava estar completamente vazia, o silêncio era assustador. Subi as
escadas até meu quarto, e de lá pude ouvir gemidos estranhos vindos do quarto
de casal mais ao fundo.
Adentrei o espaço
lentamente e abri a porta contraindo-a para mim mesmo.
Eu não gostei do
que vi.
O que foi que você viu naquele quarto?
ResponderExcluirGostei da forma detalhada como você escreve, parabéns!
Vou tentar acompanhar.
Beijos!
He he he.
ResponderExcluirQuem sabe Amélia acaba falando o que viu mais pra frente?
Nossa, muito, muito Obrigada mesmo *o*
Beijos e acompanhe sim! ^-^